Conforme solicitação de alunos e colegas, e com o intuito de divulgar e incentivar a discussão de textos sobre a temática Processo de Trabalho, Gestão, Poder e Subjetividade, compartilho aqui resenha do texto do Prof. Dr. José Henrique de Faria, intitulado “Poder e Relações de Poder” de 2013
O texto intitulado “Poder e Relações de Poder” apresenta inicialmente os conceitos de poder provenientes de diversas teorias, na sequencia expõe algumas contradições e limitações dessas teorias, para então apresentar um conceito de poder que, embora não se pretenda único e acabado, mas sim que se propõe como conceito que facilita as análises das relações de poder nas organizações.
São listadas as principais limitações encontradas nos conceitos tradicionais de poder: O poder sendo considerado numa perspectiva funcional, considerado como um atributo de liquidez ilimitada podendo ser utilizado sem restrições, consideração do poder como atributo ou capacidade do indivíduo, não consideração de conflitos de interesses, subordinação dos conflitos aos atos impositivos ou coercitivos, desconsideração às formas de organização da sociedade, se tratam em concepção desvinculada das práticas sociais específicas e das estruturas político-econômicas, além de em alguns casos confundirem o conceito de poder com o de autoridade, coerção, liderança, influência, entre outros. Sendo que no decorrer do texto passa-se a se esclarecer as diferenças e relações destes conceitos dentro da dinâmica do poder.
Para apresentar uma proposta conceitual parte-se de uma proposta interdisciplinar, que se constrói, inclusive a partir das concepções criticadas acima, complementando-as naquilo em que é coerente, e passa-se no texto a explicitar uma definição destes conceitos correlatos e suas interrelações, começando dos elementos mais simples, até suas relações mais imbricadas.
Assim, inicia-se pelo conceito de coação, coerção e repressão, explicitando que se trata de uma das bases do poder, que se caracteriza pela aplicação ou na ameaça de sanções físicas, psicológicas, sociais e culturais, de forma a castigar, impor restrições de movimento, reprimir a expressão de sentimentos e desejos, controlar (principalmente pela força) a satisfação de necessidades básicas, provocar a escassez de recursos, bloquear a obtenção de conhecimentos, induzir ao medo, impedir e/ou punir manifestações espontâneas, cercear com normas o desempenho dos indivíduos, bloquear o estabelecimento de agendas, entre outras.
Já o conceito de autoridade refere-se ao exercício de poder quando há aceitação legitimada pela referência a uma norma geral aceita por todos seja racional-legal ou burocrática, seja pela tradição (paternalista ou patrimonialista), ou seja pelo carisma.
O conceito de influência, por sua vez, não seria uma das bases de poder, mas forma de manifestação da base de poder denominada Simbólica e Imaginária, se trataria assim de uma condição de duplo sentido, entre sujeitos individuais e coletivos, entre organizações e instituições, entre simbólicos e imaginários, entre sujeitos reais contemporâneos e históricos, que, diferentemente da liderança, pode ser tanto ativa quanto passiva, sendo que o sujeito (indivíduo, grupo, organizações) “influenciador” não necessariamente tem consciência de sua influência.
Por sua vez o conceito de liderança é definido como uma condição, atributo ou capacidade de um sujeito individual ou coletivo (pessoa, grupo ou organização) de mobilização de outros sujeitos ou indivíduos (massas), devido à hipnotização ou ao convencimento decorrente da expectativa de transposição de uma situação de sofrimento ou de indecisão em uma de realização, ou ao preenchimento dos desejos e necessidades por parte dos liderados, sendo que o papel do líder requer não só capacidades próprias como também coletivas, pois uma liderança não ocorre sem a legitimação dos integrantes que compõem a coletividade. Seria assim a liderança uma questão da dinâmica dos grupos, e que pode perpassar pelas relações de poder do contexto no qual o grupo opera?
Finalmente sobre o conceito de poder tem-se que deve ser entendido como uma práxis e como uma capacidade ou condição. Práxis cuja natureza fundamenta-se em uma interação que é complexa e contraditória, e que se dá entre sujeitos coletivos e também compreendida como uma capacidade ou condição de mobilização, pois não há como dissociar o poder de seu exercício. É importante frisar que o poder é a capacidade que tem uma classe social (ou uma sua fração ou segmento), uma categoria social ou um grupo (social ou politicamente organizado), e não um indivíduo, de definir e realizar seus interesses objetivos e subjetivos específicos, mesmo contra a resistência ao exercício desta capacidade e independentemente do nível estrutural em que tal capacidade esteja principalmente fundamentada. Assim os grupos sociais teriam como finalidade transformar seus interesses objetivos e subjetivos em interesses dominantes, e para isso investirão suas energias políticas no acesso ao comando das principais estruturas da sociedade para viabilizar a realização desses interesses e desencadear, para garantir seu sucesso, todos os mecanismos de controle social disponíveis.
Sendo o poder uma capacidade que só se realiza em seu exercício, cabe destacar as categorias que permitem este exercício: (i) as motivações objetivas e subjetivas dos sujeitos que constituem o grupo social. (ii) a formulação reflexiva que e a condição de elaboração teórica e conceitual que permite ao grupo social a leitura da realidade, a identificação e a análise das dificuldades, das oportunidades, riscos e estratégias de ação política. (iii) O estabelecimento de relações, que se refere à capacidade do grupo social de estabelecer relações entre a própria condição de manutenção da sua organização e a realidade em que está inserido, histórica e contextualmente. E finalmente (iv) a preservação de identidade, que se relaciona a necessidade de preservação do caráter de identidade do grupo social e a reafirmação do sentimento de pertença de seus membros. São necessárias a existência dessas 4 categorias para que um grupo consiga exercer o poder, isto é, para que consiga definir e realizar interesses.
Sendo o poder capacidade de exercício, cabe destacar as bases que permitem o exercício do poder: (i) articulação política, (ii) autoridade, (iii) coerção e (iv) a base simbólico imaginária.
O vínculo entre poder e controle que vem a articular essas demais categorias pode então ser expresso: o poder, enquanto capacidade, potencialidade de um grupo social, se materializa no seu exercício, nas relações de poder, com o objetivo de exercer o controle social, que nas organizações, se materializa na gestão pelos mecanismos e sistemas de controle.
Finalizando é interessante frisar que estudos sobre o poder devem ser capazes de investigar tanto o que pode ser expresso, isto é que efetivamente é expresso e manifesto, quanto do que não se consegue se exprimir , bem como do que não pode ser expresso (por revelar fragilidades, paradoxos, incongruências) e também do que que permanece oculto (o não-dito, as contradições, as articulações de bastidores, etc.).
Comentários, dúvidas e anotações de aula.
– DÚVIDA: Pag. 26, 2º. Parágrafo: Lê-se “Assim, o que deveria se um processo em que indivíduos e organizações interagem com o ambiente, construindo uma relação dinâmica, acaba sendo reduzida a simples imposição, que só pode ter origem em certo “vazio conceitual”.”. É isso mesmo? Não entendi… deveria ser SER?
– DÙVIDA: pag. 33. 1º. Parágrafo : Lê-se: “A coerção, neste sentido, tanto pode ser um ato direto (explícito) quanto indireto (explícito). No primeiro caso remete, à repressão e no segundo remete ao recalcamento, muito embora a repressão use a linguagem do recalcamento para se legitimar”. É isso mesmo? Não deveria ser implícito?
– ANOTAÇÃO DE AULA: conceito de poder: O poder é abstrato e se materializa na prática, no ato, na relação, é capacidade de definir e realizar interesses. O poder não pertence a ninguém, nem está em nenhum lugar a se ocupar, mas ele se materializa nas organizações, nas instituições. O poder não é adquirido pelo controle dos aparelhos institucionais ou de controle, pelo contrário é porque se está numa situação de poder que se pode controlar os aparelhos e as instituições.
– ANOTAÇÃO DE AULA: Poulantzaz à estruturalista – foco na estrutura. Apego ao caráter histórico. Propõe o conceito de que poder é capacidade de realizar interesses. O Professor ressalta que esse conceito é limitado, pois deveria incluir tambpem a capacidade de definir interesses, não só de realiza-los. Frisa-se de seu conceito a concentração em 3 estruturas de poder, que sempre funcionam conjuntamente e de forma não excludente: a estrutura econômica, a estrutura política e a estrutura ideológica, sendo que em alguns momentos uma pode se demonstrar de maneira mais expressiva que outras.
– ANOTAÇÃO DE AULA: Liderança à é a prática do indivíduo em termos de capacidade de poder, e não pode ser confundida com poder porque ela não é capacidade coletiva de determinação e realização de interesses.
Referencia:
FARIA, J.H. “Poder e Relações de Poder”. PDF, material da disciplina, 2013.